O Mundial terminou com a vitória de uma das equipas favoritas. No entanto, não me parece que a Alemanha seja uma equipa com características idênticas às outras favoritas. Pelo que me parece que pode ser útil reflectir um pouco sobre a diferença que a separa das restantes, apesar de eu ser um fraco conhecedor de “bola”.
Enquanto a Argentina tem o Messi, o Brasil o Neymar, nós o Ronaldo (que também éramos favoritos, pois claro), a Colômbia o James Rodriguez, a Holanda o Robben e o Uruguai o “canis” Suarez, a Alemanha não tem nenhuma estrela do firmamento futebolístico. Ou seja, são todos bons, uns marcam mais golos do que outros, mas não há “astros” a anos-luz da arraia-miúda. Parece-me ser esta uma diferença essencial.
Não me atrevo a insinuar que foi esta diferença que os fez ganhar. Mas sirvo-me dela para descrever uma dicotomia no imaginário que fazemos da excelência.
Em primeiro lugar, aquela que me parece ser a situação mais frequente: atribuímos o brilhantismo a características inatas. Que são normalmente duas: a inteligência e o “dom”. Assim, achamos que existem pessoas excepcionais desde o nascimento, quer caiam mais para o lado do Newton, quer sejam mais parecidas com o Mozart. São criaturas idolatradas pelas multidões, com a Comunicação Social a empurrar o cortejo.
Em segundo lugar, temos a categoria dos que vão buscar a sua distinção ao esforço, muitas vezes ao próprio sacrifício, ao método, ao conhecimento, à organização e à disciplina. São indivíduos que não chamam um único jornalista a uma conferência de imprensa.
Como já dei a entender, penso que os portugueses valorizam o primeiro modelo e desvalorizam o segundo.
Aliás, não é por acaso que a criança do segundo tipo é logo insultada na escola. Ou através da acusação de “marrão”, ou de “caixa de óculos”. Ou então, mais tarde na vida, quando lhe explicam que um doutor é um “burro carregado de livros”. Ou seja, estou convencido de que qualquer português gostaria de ser um génio, mas sem ter de se esforçar para isso.
E porque o mais importante é mesmo o não querer esforçar-se, dirá: “cada um é como é: nasci como Deus quis e serei no futuro o que o destino ditar”. É o Fado. Não a cantiga, mas o destino, a Moira grega. Diria então que palavras ou ideias bem portuguesas ilustram esta visão do mundo: o destino; o milagre (de âmbito mais religioso) ou a sorte (de âmbito menos religioso); a esperança. Por outras palavras, ficar à espera de um milagre divino, da lotaria que estamos sempre a comprar ou, pura e simplesmente, que se cumpra a predestinação com que nascemos.
Tal como (porventura) os alemães do Mundial, eu não acredito na predestinação, como não aceito que a sorte seja o caminho para o sucesso. Também não vou pelo lado dos milagres.
Assim, acho que o brilhantismo não é inato: é fruto de muito estudo e conhecimento (estou a pensar no Newton); da presença de referências e estímulos fortes e adequados desde a mais tenra infância (estou a pensar no Mozart) – reconheço que, no mundo em que vivemos, tais condições de crescimento implicam uma certa sorte -; de muito trabalho, empenhamento, dedicação (estou a pensar nos dois); e, claro, de método (que implica disciplina).
Há algo que me horroriza na singularidade predestinada ou milagrosa: a convicção que transmite de as soluções estarem fora do nosso alcance e – versão bem mais agradável – de não sermos verdadeiramente responsáveis por nada do que vai acontecendo, a sensação de impotência e consequente necessidade de resignação e submissão, a ideia de os seres humanos não se poderem elevar acima do que lhes está aparentemente reservado.
A excelência não é produto do sangue, mas do suor e, tantas vezes, das lágrimas.
Fonte: http://m.visao.sapo.pt/pesquisa/todos/artigo/789532