Na demissão sem justa causa de um empregado, além da obrigação de pagamento da multa, também deve ser recolhido o equivalente a 10% de todos os depósitos devidos referentes ao FGTS. Trata-se de contribuição social criada pela Lei Complementar nº 110, de 2001. É mais um custo, que penaliza as empresas em período de baixo crescimento econômico e que desestimula novas contratações no caso de retomada do crescimento, por gerar receio da despesa extra se demissões vierem a ser necessárias no futuro.
Contudo, é discutível a persistência de tal contribuição atualmente. Ela foi criada em razão de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido, há cerca de 15 anos, que as contas vinculadas ao FGTS haviam sido corrigidas a menor quando dos Planos Verão e Collor, o que levou ao reconhecimento de passivo bilionário e a desequilíbrio patrimonial no FGTS. Seguiu-se uma grande negociação que resultou na referida LC 110/2001, oferecendo aos correntistas do FGTS a correção automática dos saldos de suas contas. Como contrapartida, foram criadas duas contribuições sociais, com a finalidade de recuperar o patrimônio do FGTS.
Essa finalidade das contribuições é identificada a partir do contexto em que a LC 110 foi aprovada, da Exposição de Motivos do Projeto que a originou e da interpretação sistemática de seus vários dispositivos. O STF concluiu desse modo ao julgar a constitucionalidade original da LC 110, quando foi expresso em afirmar que a contribuição se destinava “(…) ao Fundo para fazer frente à atualização monetária, eliminados os expurgos dos Planos Econômicos em causa, dos saldos das contas vinculadas a ele, (…)” (ADI-MC 2.556 – esse entendimento foi reafirmado no julgamento do mérito).
É mais um custo, que penaliza as empresas em período de baixo crescimento econômico e desestimula novas contratações
Ocorre que esse objetivo já foi alcançado. Em primeiro lugar, a própria LC determinava o crédito em conta da última parcela em 2007. Além disso, as demonstrações financeiras do FGTS atestam que a partir desse ano seu patrimônio tinha plenas condições de arcar com o pagamento de todas as contas devidamente corrigidas. Portaria da Sec. do Tesouro Nacional, de 2012, confirma esse fato, ao ter ordenado à Caixa Econômica Federal o recolhimento do produto da arrecadação à Conta Única do Tesouro Nacional, demonstrando a desnecessidade dos recursos. Por fim, a própria Presidência da República reconheceu, em documento público, que os recursos da contribuição estão sendo utilizados em outros fins (programa “Minha Casa, Minha Vida” e investimentos variados do Fundo de Investimento do FGTS) .
Ora, se a contribuição é “(…) nitidamente caracterizada pela prévia escolha da destinação específica do produto arrecadado” (ADI 2.556), segue-se que, tendo sido alcançada sua finalidade, ela não mais se justifica, deixou de vigorar e sua exigência atual contraria a Constituição e a própria LC 110. Com efeito, contribuição desvinculada de sua finalidade é uma contradição em termos, é um imposto travestido de contribuição.
Bem por isso, nos últimos meses, várias empresas têm ingressado com ações judiciais para questionar a atual exigência da contribuição. Muitas têm obtido liminares e antecipações de tutela que, em sua maioria, têm sido confirmadas em análises preliminares em segunda instância, já tendo sido proferidas algumas sentenças favoráveis.
A Procuradoria da Fazenda tem apresentado, basicamente, dois argumentos para sustentar a persistência da contribuição do artigo 1º da LC 110.
De um lado, alega que a finalidade da contribuição não seria apenas a de suprir o FGTS de recursos para arcar com o passivo derivado da aplicação da correção monetária. O objetivo seria simplesmente o de carrear recursos ao FGTS, para utilização em suas variadas atividades. Essa linha de argumento, porém, contraria frontalmente a decisão do STF no mérito da ADI 2.556, quando foi afirmado: “A contribuição em exame não se confunde com a contribuição devida ao FGTS, em razão da diferente destinação do produto arrecadado”.
De outro lado, a PFN alega que, contrariamente à contribuição do artigo 2º da LC, a do artigo 1º não estabelecia um prazo definido. Entretanto, é compreensível que a LC não o tenha feito. Quando da sua aprovação não se tinha certeza do montante do passivo e nem de quanto seria arrecadado (até porque a contribuição depende de que ocorra a demissão para sua incidência). Nessa situação, seria temerário estabelecer um prazo de vigência definido e eventualmente enfrentar mais à frente a insuficiência de recursos. Ademais, prazo indefinido não significa ausência de prazo, bem ao inverso, ele existe, que é aquele estritamente suficiente para que a contribuição alcance sua finalidade.
As alegações da Fazenda Nacional, portanto, a nosso ver improcedem. Por fim, cabe observar que este tema é objeto de novas ADIs no STF, agora sob relatoria do ministro Roberto Barroso. Não é recomendável, porém, aguardar o julgamento delas. As ADIs podem ser tidas por improcedentes, por exemplo, afirmando-se a inadequação desse tipo de ação, por envolverem temas estranhos a uma ADI, como a análise da vigência atual da contribuição e da constitucionalidade da exigência de recolhimento (não da própria LC). Nesse meio tempo, um longo prazo poderá ter passado, decaindo-se o direito a receber de volta parte dos valores recolhidos desnecessariamente.
Jimir Doniak Jr é advogado em São Paulo, sócio de Cais, Doniak, Rangel Ribeiro e Matta Nepomuceno Advogados, conselheiro do Carf
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Fonte: Valor Econômico